Respeito se aprende em casa e também na escola. Mas, essa lição muitas vezes está deixando de ser bem assimilada por jovens alunos dentro e fora da sala de aula. É cada vez maior o número de casos de homofobia no espaço escolar e ocorre mais entre os alunos. A consequência direta dos xingamentos e até agressões físicas é a evasão escolar.
Segundo pesquisa realizada pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) 87% da comunidade de escolas públicas brasileiras tem algum grau de preconceito contra homossexuais (ver boxe da pesquisa). O estudo revelou um problema que homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais e lésbicas enfrentam dia-a-dia nas escolas: a homofobia.
Sentindo na pele
A travesti de nome social Jéssica Taylor hoje sorri, mas nem sempre foi assim. Aos 11 anos, ela abandonou a escola onde estudava na cidade de Ilha das Flores, a 135 quilômetros de Aracaju, por causa dos xingamentos e agressões que sofria no grupo escolar. Passados 24 anos, ela deu a volta por cima e voltou a estudar no ano passado.
Jéssica é aluna do 3º ano fundamental do Programa de Educação de Jovens e Adultos, no Colégio Estadual Leite Neto, onde diz ser respeitada. “Quando era criança ia para o canto chorar, não sabia me defender. Agora é diferente. Sou adulta e conquistei o respeito de todos me dando o respeito. Mostrei para todos que estava ali para estudar”, disse.
O menino R. tem 12 anos e sente na escola onde estuda, o peso do preconceito pelo seu jeito diferente de falar e andar. É um garoto com traços e trejeitos femininos que, segundo a mãe, é discriminado em um colégio da rede pública. “Ele já passou por quatro escolas desde que começou a estudar quando tinha dois anos. A discriminação começou mesmo quando ele entrou no ensino fundamental. Os meninos são muito perversos, xingam e até batem nele chamando o meu filho de bicha. Não sei mais o que fazer”, desabafou uma dona-de-casa cujo nome foi mantido em sigilo para não identificar a criança.
A mãe disse que busca a direção das escolas, mas nada adianta. “As coordenadoras e diretoras, assim como as professoras, entendem o meu drama e o do meu filho e até tentam fazer algo, mas não adianta. Na sala eles obedecem, mas na hora do recreio, é que a ‘coisa’ pega”, lamentou.
Mostrar as diferenças
A professora Mônica Ismerim, mestre em educação, se debruçou sobre o assunto e pesquisou mitos e tabus da sexualidade humana em professores de escolas municipais. Foi a tese de mestrado dela na Universidade Federal de Sergipe cujo trabalho inédito em Sergipe rendeu nota 10. Ela observou que agressões são comuns não só contra jovens que se dizem homossexuais, mas também contra aqueles alunos que só aparentam um jeito efeminado. Ela encontrou, inclusive, relatos de agressão verbal.
Segundo ela, pedir respeito só em sala de aula não resolve, pois as intimidações acontecem também no recreio. Para a pesquisadora, é preciso envolver o aluno e o professor. Mostrar ao adolescente que as diferenças existem e, ao educador, as formas de lidar com a questão. A professora que atua em sala de aula há 18 anos tem uma ideia.
Capacitação
A proposta dela é capacitar os professores da Escola Municipal Jaime Araújo, no bairro Soledade, onde leciona Ciências Biológicas, de como trabalhar a homofobia com os alunos. A forma como esse treinamento será aplicado ainda será discutida, mas ela já tem algumas ideias.
Trabalhar os estereótipos, mostrando o que é masculino no Brasil pode não ser em outras regiões do mundo é uma ideia. “Em qualquer Estado brasileiro, por exemplo, um homem que use saia pode ser ridicularizado, mas na Escócia, a saia é vestimenta quase que obrigatória em grandes eventos sociais, como um casamento. Daí mostrar que é a cultura de cada região que determina o que é masculino ou feminino. Esse é um exemplo de como trabalhar a questão, mas há outras formas”, disse.
Ensinar a compreender
Levar o aluno a se colocar no lugar de um homossexual, a pensar sobre essa condição e a escrever sobre isso pode ser outra maneira de abordar o assunto. Mônica já fez essa experiência e garante ter dado certo. Ela aplicou em seus alunos uma redação cujo tema era “Um dia na vida de um homossexual”. O resultado foi interessantíssimo, ela disse.
“Eles escreveram que seriam agredidos e que não poderiam participar de brincadeiras”. Com os textos em mãos, ficou mais fácil conversar com a garotada e mostrar a eles que as agressões contra pessoas diferentes, contra os homossexuais, são gratuitas e que é preciso respeitar a diversidade, simplesmente porque vivemos em um mundo cheio de diferenças. “Mostrei a eles que não somos iguais. Que nada no mundo é igual e que, portanto vivemos num mundo de diferentes”, falou. Ela chamou a atenção que, para isso, no entanto, é preciso primeiro levar o aluno a se colocar no lugar do outro.
Mônica Ismerim falou que há casos de alunos que se acomodaram à situação e dizem; “deixa, professor, já estou acostumado”. Achando que ninguém vai resolver o problema dele. Então, o professor tem que ser capacitado. Ela disse que tem relatos de colegas que se mostraram incapacitadas para lidar com a situação e pediram a orientação de como trabalhar a homofobia em sala de aula.
“Essa coca é fanta”
É preciso também sensibilizar o professor. O preconceito muitas vezes passa pelo próprio docente que nem sempre percebe estar sendo preconceituoso, mas levado por um senso comum. Ela contou que tinha um aluno que usava um prendedor feminino no alto da cabeça, mas nenhum colega associava o fato à questão homossexual. Até um dia em que uma professora disse em sala de aula “Essa coca é fanta”. A partir daí, passou a ouvir xingamentos contra o menino que não usou mais o enfeite e saiu da escola. “Os alunos tomaram aquilo como uma cobrança que deveriam agredir o outro”, concluiu.
Mônica Ismerim disse não ver homofobia nas turmas da noite. O caso é mais comum nas escolas de ensino fundamental. Ela trabalha com a faixa de 10 a 16 anos e já presenciou diversos casos. Ela acredita que isso está ligado a questão da auto-afirmação, típica da idade.
Difundir conhecimento
A psicóloga do Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia, Cláudia Andrade, disse que não adianta trabalhar a questão apenas em sala de aula, pois se a família for homofóbica o trabalho feito em sala de aula vai por água abaixo. “Educação e cultura são valores que se aprendem em casa”, disse.
Para ela, trabalhar a educação é fundamental para reduzir qualquer dano “pois o preconceito é justamente a falta de conhecimento”, destacou. Ela disse que essa difusão de educação e cultura vai mostrar que existem no mundo valores diferentes que precisam ser mostrados. “Ninguém nasce com preconceito, mas nasce em uma sociedade preconceituosa”, finalizou.
Centro de referência dá apoio a vítimas
Em junho, uma transexual de nome social Adriana Lohane procurou o Centro de Homofobia para pedir apoio e o direito a frequentar o banheiro feminino de uma instituição de ensino superior, no interior do Estado. O caso foi parar na Justiça.
Lohane tem aparência exterior totalmente feminina. Ela estuda na instituição há três anos, na modalidade à distância. No ano passado, passou a frequentar cursos presenciais e a usar o banheiro feminino. Recentemente foi proibida a frequentar o banheiro das mulheres e caso insistisse sofreria um processo disciplinar interno que poderia terminar em expulsão.
De acordo com a psicóloga do Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia, a psicóloga Cláudia Andrade, a princípio, a instituição tentou intermediar o caso levando a apreciação da comunidade escolar. Os alunos não aceitaram e Lohane passou a ficar proibida de usar o banheiro feminino. Inconformada, a transexual buscou ajuda no centro.
O Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia foi inaugurado em abril do ano passado. Vinculado à Secretaria de Estado da Segurança Pública, é responsável pelo atendimento jurídico, acolhimento pessoal e promoção dos Direitos da Cidadania da comunidade GLBT. Cláudia Andrade disse que a entidade ministra palestras nas escolas e este ano já levou apresentações para a Unit e Faculdade Atlântico, com uma participação surpreendente. “Os participantes interagiram trazendo relatos. Foi maravilhosa”, disse.
A iniciativa é resultante de um convênio entre o governo do Estado de Sergipe e o governo federal por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. A unidade, disponibiliza uma equipe multidisciplinar composta por psicólogos, pedagogos e advogados orientados para dar apoio e assistência aos usuários. Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), universidades e secretarias envolvidas com o projeto são parceiros do centro.
Pesquisa em 501 escolas
A Pesquisa “Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar” foi realizada para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, órgãos do Ministério da Educação (MEC), que encomendaram o trabalho a FEA-USP. O resultado do estudo foi apresentado em junho deste ano.
O trabalho envolveu a análise dos preconceitos de natureza étnico-racial, socioeconômico, geracional, de gênero, territorial, de orientação sexual e o relacionado a pessoas com necessidades especiais. Foi também pesquisada a discriminação de diferentes grupos sociais, representados por negros, pobres, índios, ciganos, homossexuais, moradores de periferia, favelas e áreas rurais, pessoas com necessidades especiais de natureza física e mental, idosos e mulheres.
Segundo o professor José Afonso Mazzon, da FEA-USP, coordenador do trabalho, a pesquisa de campo foi realizada em 501 escolas públicas de todo o país. Foram entrevistadas de 18.500 pessoas (alunos, pais e mães, diretores, professores e funcionários).
Texto: Célia Silva
Fonte: Jornal da Cidade
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