No Brasil, o professor da Universidade de Nova York, Alexander Galloway, analisa como funcionam os controles em ambientes digitais.
Você se sente totalmente satisfeito quando navega pela internet amparado pelo conceito de livre expressão e movimentação? Quando abre seu navegador, Alexander Galloway, professor do departamento de cultura e comunicação da Universidade de Nova York, não divide da mesma certeza.
No sentido inverso à expressão e mobilização sem limites na internet, Galloway vê controles em ambientes digitais por meio da dominação de certas tecnologias (a altíssima penetração do TCP/IP, por exemplo, é preocupante, argumenta) e analisa a mudança na hierarquia após a popularização da web.
Em visita ao Brasil para participar do segundo seminário Cidadania e Redes Digitais, promovido pela Faculdade Cásper Líbero, Galloway destrinchou também a nova postura de resistência que deve acompanhar a quebra da hierarquia vertical, praticada até então por grandes corporações, governos e igrejas.
A filosofia hacker, defende, tenta explorar falhas em sistemas para que, dentro deles, descentralizem a inevitável formação de centros de poder em uma mídia que, teoricamente, daria a todos a mesma capacidade de expressão e movimentação.
Nesta entrevista concedida ao IDG Now!, Galloway também equipara o poderio de empresas responsáveis pela infra-estrutura técnica ao de governos e detalha a nova topologia da hierarquia online.
Ao contrário do senso comum da liberdade irrestrita da internet, você argumenta que os ambientes digitais são altamente controlados. Porque?
Bom, eu acho que é livre no sentido de movimentos livres, de abertura. O problema é que não acho que abertura e livre movimentação e expressão são incompatíveis com controle e organização. O que tento explorar nos meus escritos é como entendemos a organização do sistema que não se apóia na repressão, na disciplina ou na punição de indivíduos para estabelecer (relações de) poder ou controle. (Interessa-me) como podemos entender o cenário atualmente, um no qual abertura é permitida e promovida, transparência é permitida e promovida e expressão livre do indivíduo é permitida e promovida, mas, ainda assim, temos uma estrutura altamente organizada e controlada.
Que poder os protocolos têm no controle desta organização?
Geralmente abordo três perspectivas distintas do poder: o comercial, que tem muito poder especialmente no século 20; o poder governamental ou jurídico; e o poder técnico da infra-estrutura, algo sobre a qual não se fala muito, particularmente após o aumento na importância das redes nas três últimas décadas do século 20. Minha opinião é que a infra-estrutura técnica é um ator atualmente tão importante a ser considerados como os poderes corporativo, comercial ou governamental.
Que tipo de tecnologias são as mais relevantes neste controle?
Bom, acho que os protocolos de internet. É o tipo de linguagem mais singular e influente por causa da taxa extremamente alta de adoção no mundo. Por exemplo, o TCP/IP é a tecnologia que atingiu o maior grau de padronização e penetração que qualquer outra. Nenhum computador conectado à internet no planeta não faz parte deste conjunto.
Esta alta adoção não é boa, já que padroniza o acesso e impede o conflito entre dezenas de tecnologias proprietárias?
Sim. Existem vantagens e repercussões positivas disto. Mas acho que toda entidade singular, uniforme e única envolve perigos e conseqüências diretas. Para lhe dar uma analogia na história mundial, houve muitos casos de impérios, como o romano ou o britânico, em que sistemas operavam por uma padronização universal cujos efeitos negativos acabaram sendo a eliminação de especificadas e diferenças regionais.
Na modernidade, por exemplo, podemos fazer uma óbvia análise do desaparecimento de linguagens similar aos problemas ecológicos que estamos sofrendo agora e que trazem novas ameaças. Impérios são sedutores e trazem benefícios, mas também podem ser bastante sangrentos e destrutivos.
No livro “The Exploit” (editado pela University of Minnesota Press, sem edição para o português), você defende a importância de uma “resistência subversiva à rede” que poderia deslocar o controle central exercido sobre as redes. Como funciona este tipo de resistência?
Um conceito sobre o qual falei com Eugene Thacker (co-autor do livro) é um que vem da comunidade hacker, o do “explorar”. A noção básica é que, em ordem para intervir em um ambiente conectado, a resistência não é a melhor lugar para se ir. Talvez o melhor lugar para ir é, ao invés de parar, se aproveitar da máquina, explorando falhas ou problemas específicos ou características que compõem o sistema.
Ou seja, não construir uma máquina contrária para rivalizar com a original?
Sim, muito embora isto também seja um caminho. Um modelo antigo seria quebrar, travar ou sabotar a máquina pelo seu equipamento, em um movimento de resistência semelhante aos ludistas, por exemplo.
Nossa proposta é que, em um ambiente digital em rede, essas técnicas não são nada efetivas, já que redes distribuídas são construídas para evitarem bloqueios como este de maneira muito fácil e rápida. Se você constrói um muro, então a rede cria um caminho alternativo naturalmente, sem qualquer problema.
Nossa sugestão é “ok, vamos pensar em uma forma de agir politicamente que use se aproveite das características da rede”. Por isto preferimos teorias como a da aceleração à da resistência, em que você pressiona o sistema além das suas capacidades ao invés de debilita-lo ou restringi-lo.
Redes digitais se apóiam na criação de movimento. Se você tenta pará-lo, ela simplesmente desvia e te ignora. A questão é como você participa e fica em movimento. Talvez você tenha que se movimentar mais rapidamente ou de maneira diferente.
Isto quer dizer que, num ambiente de redes digitais, somos livres para que façamos o que quisermos, mas sempre sob vigilância alheia?
Sim. A transição de (Michel) Foulcault (filósofo francês que atrelava a punição ao cerceamento da liberdade) para (Gilles) Deleuze (também filósofo francês que defendia a liberdade humana controlada) é uma maneira perfeita de entender esta mudança histórica. Deleuze se foca no período moderno na maioria do seu trabalho, analisando as grandes instituições da modernidade, como a escola e o hospital, por exemplo, tendo como principal linha de condução a disciplina.
Ele admite que a proposta de Foucault é correta, mas defende que houve mudanças no século 20, principalmente nas noções de disciplina, repreensão e proibição que guiam o comportamento dos indivíduos. Essencialmente, ele abre caminho para um sistema que explora o contrário – em vez de disciplinar o corpo, você o libera.
Em vez da repressão do subconsciente, temos agora uma espécie de estágio neoliberal de expressão livre do indivíduo. E a palavra que Deleuze usa para personificar estas mudanças é controle, não mais disciplina.
O exemplo que ele usa é da rodovia: você pode se movimentar muito rápido e ir para onde quiser. Ainda assim, se você analisa uma estrada, é um sistema técnico altamente organizado e controlado: você tem que parar em certos momentos, respeitar a divisão de faixas, não pode bater nas outras pessoas...
Na era das redes digitais, a hierarquia morreu?
Acho que sim. No sentido clássico de hierarquia, no formato de uma pirâmide, explorado por instituições como a igreja, a maioria dos governos e as corporações. Talvez dizer que está totalmente morto seja muito extremo já que estes modelos antigos são muito resistentes. Concordo que, como instituições que se posicionam como líderes da sociedade, o conceito deu espaço para um em rede mais horizontal e não hierarquizado.
E uma das maiores importâncias das redes, fácil de ser esquecido, é que elas podem ser horizontais e rizomáticas, mas também têm sua própria tipologia. Elas podem acomodar tanto um centro de poder como uma distribuição rizomática. Você pode ter o Google, que é uma entidade incrivelmente central e controladora, mas faz seu dinheiro ao monetizar as diferentes formas da rede.
Por Guilherme Felitti, do IDG Now!
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