Senado teve 663 atos secretos em 15 anos, diz relatório
BRASÍLIA - A administração do Senado editou em 15 anos um total de 312 boletins administrativos, contendo 663 atos que não foram publicados. Os números constam do relatório final da comissão de sindicância criada para investigar os chamados atos secretos, usados para nomear parentes, amigos, criar cargos e aumentar salários.

Um dos atos foi revogado: o da Comissão Diretora nº 18, de 2000, que concedeu auxílio médico vitalício aos diretores-gerais e aos secretários-gerais da Mesa que exerceram a função pelo menos por dois anos.
Com isso, a maior parte dos atos de nomeação para cargos comissionados com direito a salários altos e pagamento de gratificações adicionais continua valendo.
O relatório foi discutido pelos líderes e o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). ( Relembre os escândalos no Senado )
Como resposta à onda de escândalos, o diretor-geral do Senado, Alexandre Gazineo, e o diretor de Recursos Humanos, Ralph Siqueira, foram exonerados .
Para substituir Gazineo - responsável, quando ainda era diretor-adjunto, pela assinatura de boa parte dos boletins sigilosos para nomeações e criações de privilégios - foi indicado o servidor Haroldo Tajra; para a diretoria de Recursos Humanos, Doris Marise Peixoto.
Doris Peixoto já foi chefe de gabinete de Roseana Sarney, ex-senadora e hoje governadora do Maranhão. Haroldo Tajra é ligado ao senador Efraim Moraes (DEM-PB). Os novos diretores responderão pelo cargo por 90 dias.
O senador Heráclito Fortes (DEM-PI), 1º secretário do Senado, assumiu as responsabilidades pelos servidores indicados nesta terça-feira:
- Peço crédito de confiança. A decisão de investigar atos secretos partiu desta Mesa - disse Heráclito.
" Peço crédito de confiança. A decisão de investigar atos secretos partiu desta Mesa "
Apesar do voto de confiança, na próxima semana deverá ser aprovado um projeto de resolução, apoiado pela Mesa Diretora, que estabelecerá um mandato de dois anos, renováveis por mais dois, para os novos ocupantes do cargo de diretor-geral, que terá ainda de passar por sabatina e aprovação pelo plenário da Casa.
Mercadante defendeu afastamento de Agaciel e Zoghbi
Durante a reunião da Mesa Diretora, o líder do PT, senador Aloizio Mercadante (SP), chegou a propor que não só o ex-diretor-geral do Senado Agaciel Maia, como também ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi, sejam afastados do trabalho preventivamente até a conclusão da sindicância. Como a legislação brasileira veta a aplicação de penalidades a servidores antes de uma investigação, o líder petista sugeriu que fosse feito um apelo aos dois ex-diretores para que eles só retornassem ao trabalho após o fim da investigação.
- Apelo não é uma coisa que posso fazer na minha posição. Ou determino o afastamento ou não - rebateu Heráclito.
Na conclusão do relatório, a comissão, criada a pedido de Heráclito, sugere a abertura de um processo de sindicância para apurar responsabilidades.
"A comissão conclui que a ausência de publicação pode ter sido originada de simples falha humana, erros operacionais, deficiências nas tramitações e na publicação dos atos", diz um trecho do relatório.
"Todavia, o uso indiscriminado de boletins suplementares, entre os quais 312 não publicados, contendo 663 atos, que integram o presente relatório, e os demais documentos e fatos examinados pela comissão constituem indícios de que tenha havido deliberada falta de publicidade de atos, o que recomenda a abertura de sindicância visando à apuração de responsabilidade".
No relatório, a comissão recomenda, ainda, uma série de medidas como o prazo máximo para publicação dos atos de 30 dias após sua assinatura e a proibição de publicar boletins administrativos com datas retroativas.
Cresce pressão para afastamento de Sarney
Abatido, Sarney abriu a sessão após reunião da Mesa Diretora da Casa, e informou aos senadores que, além das demissões, foram tomadas medidas como a eliminação de folhas suplementares de pagamento; a realização de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) nos contratos realizados pelo Senado; a revogação de atos; e aprovação do Portal Transparência.
Depois da exoneração de Gazineo, cresce a pressão pelo afastamento de Sarney, apontado como o principal responsável político da crise.
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) foi à tribuna dizer a Sarney que vai solicitar à Polícia Federal, Ministério Público Federal e ao TCU para que investiguem o envolvimento de seu nome no escândalo dos atos secretos. Demóstenes diz que Agaciel assinou um ato secreto nomeando para seu gabinete a servidora Lia Raquel Montoril Vaz de Souza, sem o conhecimento dele.
" Sugiro Vossa Excelência que não fique na presidência deste processo. O senhor não teria condições de julgar Agaciel Maia "
Na opinião de Demóstenes, Sarney deve se afastar do caso para não comprometer o resultado. Demóstenes disse ainda que Sarney "merece ter um fim de vida pública honrada e digna". Em discurso da tribuna, Pedro Simon (PMDB-RS) pediu que Sarney se licencie do cargo. O mesmo pedido fez Cristovam Buarque (PDT-DF) na segunda-feira. Nesta terça, Cristovam disse que o momento não é mais de licença, mas de renúncia ao cargo.
O clima é de revolta após a divulgação, pelo jornal "O Estado de S.Paulo", de que 37 senadores figuram como beneficiários de atos secretos do Senado . Os senadores alegam que não sabiam dos atos e cobram resposta à crise que abala a imagem da instituição.
Diretoria de Estágios, ocupada por mulher de Agaciel, tem novo titular
Na tentativa de reduzir o poder de influência que Agaciel mantém na Casa, depois de ficar 14 anos no comando da Diretoria Geral, foi anunciada nesta terça a designação de Petros Elesbão para a Diretoria de Estágios. Esse cargo foi ocupado por Sânzia Maia, mulher de Agaciel Maia, e era onde o ex-diretor-geral vinha despachando desde a sua saída do cargo, em março.
Em outra frente, os líderes partidários ouviram uma exposição sobre o esboço de reforma administrativa que poderá ser adotado pelo Senado. A proposta incluiu parte das sugestões encaminhadas semana passada por um grupo de 20 senadores, como a ideia de se estabelecer uma meta para redução de pessoal e a suspensão de novas contratações.
Também deverá ser analisada a eliminação de vantagens acessórias inerentes ao mandato parlamentar, como verba indenizatória mensal de R$ 15 mil a que cada um tem direito e os gastos ilimitados com telefone celular.
Mesmo cientes de que a crise ainda não foi totalmente debelada, a expectativa na tarde desta terça era que o Senado poderá tentar voltar a funcionar em ritmo normal a partir da próxima semana.
- Foi um começo - afirmou Arthur Virgílio.
Sindicância ainda não foi instalada
A Comissão de Sindicância prometida para apurar responsabilidades pelos atos secretos no Senado ainda não foi instalada, apesar de Sarney ter anunciado sua criação na sexta-feira passada e dado prazo de sete dias para o esclarecimento das denúncias.
- Não começamos a trabalhar. Dependemos da formalização da comissão, mas depende de um ato que não foi publicado - disse um dos integrantes da comissão.
Na segunda-feira, um dos auxiliares de Sarney informou que a comissão teria interrogado o chefe do Serviço de Publicação do Boletim de Pessoal do Senado, Franklin Paes Landim. Mas a comissão negou que tenha ouvido Paes Landim ou qualquer outro servidor. A comissão é formada por três servidores do Senado, um do Tribunal de Contas da União e o procurador José Robalinho Cavalcanti, designado para a comissão pelo procurador-geral, Antonio Fernando de Souza.
Adriana Vasconcelos, Bernardo Mello Franco e Gerson Camarotti - O Globo; Agência Brasil